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 Hermes

Prêmio Hermes de Cinema

No intuito de reverenciar a história daqueles que fazem do cinema sua vida, porém, muitas vezes não alcançam o devido reconhecimento, o Cineminuto – Festival Internacional de Microcinema cria o prêmio “Hermes”, em homenagem ao “Seu” Hermes Walter, uma das figuras mais importantes para o cinema de Santana do Livramento.
“Seu Hermes”, como muitos o conhecem, muito mais do que se tornar um personagem das telas de cinema, possibilitou com que as pessoas pudessem ter acesso às “telonas”. Num ato de amor à Sétima Arte, se empenhou para manter viva a magia do cinema na cidade e levou esta paixão às últimas consequências.
Nesse momento, é com muita satisfação que adotaremos o nome do “Seu” Hermes para premiarmos os futuros cineastas, os futuros talentos que preencherão as telas. E, para que possam conhecer um pouco mais sobre o “Seu” Hermes, vale destacar os textos de Liane Chipollino Aseff em seu livro “Memórias Boêmias” (EDUNISC, 2008) e de José Ronaldo Viega Alves em seu livro “A Cidade Invisível” (Editora Opção 2). Clique para abrir

 

Um Sonho de infância: o Cinema de Hermes

Por Liane Chipollino Aseff

 

Distinta fronteira vivia o jovem Hermes Walter. Se Humberto Bisso e seus rapazes cultuavam o luar, fazendo valer a filosofia boêmia “a noite é uma criança”, Hermes via no raiar do dia sua essência. Descendente de humildes imigrantes suíços e família numerosa, amante da sétima arte, fizera-se assíduo espectador das salas de cinema da fronteira, mas para isso teve que cedo trabalhar. Quando não estava estudando, ou ajudando seu pai nas tarefas de casa, recorria ascalles de Rivera em busca de pequenas tarefas que lhe pagassem os bilhetes de cinema. Como Bisso, o garoto Hermes viu a cidade se transformar, crescer e se diluir na Santana moderna. Muitas vezes, a voz pausada e triste que ouço na sala é a do menino saudoso que recorda, um a um, o nome e lugar em que estavam aqueles ”templos do divertimento”. Salas de exibição que não existem mais, apenas naquela cidade que preservou em suas lembranças. O Cinema Duque, o Cinema mudo que tinha em cima do Cabaret Caverna, o Cinema América “e tantos outros que se foram, não?”. Constata laconicamente o nobre mago.

Sua infância foi passada na Santana capital do mundo, como costumava referir-se com propriedade o boêmio jornalista Luis Carlos Vares. Naquela época, a cidade

fervilhava em atrações artísticas, havendo salas com exibição de filmes mudos. O ideólogo do cinema popular emociona-se recordando sua infância de cinéfilo:

Eu era guri pequeno era bem pobre mesmo, sabe? Então eu ajudava pedindo nas casas em Rivera, nas famílias, pedindo para lavar as calçadas, limpar algo, e eles me davam uns trocados, e eu ia ao cinema ver meus filmes, eu tinha uns 10 anos, um dia quando passava um filme do Frankstein, eu fui escondido do meu pai. Eu passava na portaria dos cinemas, porque eu era conhecido dos porteiros, sabe? Quanto jovem sem dinheiro como eu e querendo ver um filme, um dia eu vou fazer um cinema para mim e para eles! E fiz. Esses filmes passei todos lá!

 

Avesso a vida desregrada da boemia e amante do esporte, em sua juventude Hermes se interessou pelos salões de ringue, onde predominavam os embates de boxe profissional. As lutas e os ídolos desse universo esportivo atraíam sua atenção. Empolgou-se tanto que no início da década de trinta, o jovem desportista deu início a uma breve carreira de lutador amador. Com exercícios físicos e treinamento adequado nas diversas academias que existiam na cidade, Hermes debutou em luta no Cinema Colombo. Dos porões do Cinema Colombo, saíram celebrizados muitos nomes do boxe da fronteira, como os célebres Maturino e Polo Norte que deixaram gravadas no imaginário de seus admiradores muitas histórias das lutas que fizeram pelo Rio Grande do Sul. Havia ainda outro, Sebastião Canabarro, valente lutador de boxe. Desse pugilista pouco ficou, nenhum registro fotográfico. Apenas a lembrança de seu filho José Newton, de quando seu pai costumava enfrentar seus adversários e lutar, podia ser no antigo cinema, ou nos salões do Centenário – que estava localizado, possivelmente na esquina da Travessa Escosteguy, ou ainda “em frente ao Serralheria Gariazzo, onde hoje é o Hotel Júlio”. Não importava o lugar, sempre apreciava os embates pugilísticos estimulando os filhos a lutarem também, “e nós lutava, de brincadeira, claro”.Os anúncios de embates do Cinema Colombo marcavam o nome dos combatentes e chamavam para o espetáculo. Foi um orgulhoso Hermes que buscou em seu baú de recordações a comprovação desse feito juvenil, exibindo a prova de sua outra paixão:

 

Olha, eu ainda guardo aqui uma fotografia de quando eu era atleta, mas faz muitos anos que eu foi um lutador! (risos) Sabe, a gente lutava nos porões do Cinema Colombo. Ali teve lutas fantásticas, naquela época tinham muitos lutadores bons, muitos ficaram famosos. Então em 1937 eu fiz o concurso para o Banco do Brasil e fui chamado, sabe? Daí eu não podia continuar, treinando, lutando, não é? , como bancário não podia conciliar, não era correto, e abandonei o ringue.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Seu Hermes, como ficou conhecido pelos quatro cantos além-fronteira, desde a sua infância pobre alimentava o desejo da construção de um cinema popular. Hermes, pode-se dizer, foi um visionário. Em sua fantasia juvenil idealizava um lugar que acolhesse os jovens que, como ele, não tinham como pagar o ingresso das matinés.

Em 1954, finalmente Hermes pode concretizar seu almejado projeto juvenil. A inauguração do Cinema Hermes brindava a população carente com filmes de qualidade.  Desde então, espectadores de Santana do Livramento e Rivera deram início com freqüência cativa ao mítico Cineminha do Seu Hermes, nesse momento construído sob a forma de um rústico galpão e que mantinha a assistência lotada. Seu público infanto-juvenil partilhava do desejo de seu proprietário de ver na cidade uma sala de exibições para crianças e jovens carentes. O Cinema Hermes estava localizado na vila Júlio de Castilhos, lugar popularmente conhecido como Beco dos Maragatos. Com o passar dos anos a sala alternativa foi transformada em um prédio de alvenaria, “ganhando os ares de cinema” e a preferência dos jovens de outros bairros e da classe média. O valor dos ingressos era simbólico: “eu cobrava o que o freguês podia pagar, às vezes trocava por revistinhas de quadrinhos”. Sua programação era imbatível, projetando estréias do bang-bang norte americano e alguns clássicos do cinema mexicano, spaghetti italiano e fitas nacionais.

Nos anos cinqüenta e sessenta, década que o cinema ofereceu sessões de matinés, os espectadores lotavam o seu espaço. A concorrência ao cineminha não era feita somente de jovens e crianças, muitas famílias costumavam visitar a sala. Nesse inusitado centro cultural, havia ainda trocas de gibis entre o público, venda de merenda (gratuita, conforme o freguês) e claro, de ensinamentos morais, os famosos sermões do Seu Hermes. Muitas vezes o proprietário parava o filme para conversar com seu público: sempre no sentido de mostrar alguma coisa positiva para seus menino(a)s. “Eu queria ensinar algo que fosse servir para o futuro deles, como respeitar o próximo, a mãe e pai, não roubar, estudar para ter no futuro uma boa profissão”, explica o mago, protetor de jovens carentes daquela época. Para ele, os sermões eram fundamentais, pois muitos garotos necessitavam de uma orientação que não tinham em casa.

Os seriados marcaram o imaginário daquele público, se tornando referência na cidade, como o herói das selvas, Tarzan, os mocinhos do faroeste americano,

Buck Jones, Hopalong Cassidy , Billy Hicrok, o herói da floresta, Fantasma, Dom Chicote, o Cavaleiro Negro, Zorro, entre muitos outros filmes de aventura e suspense exibidos na sala do Cinema Hermes. Aquela gurizada, muitas vezes excluída da sociabilidade dos lugares da região central, sentia-se estimulada pela oportunidade de assistir aos filmes do cineminha, pagando um preço popular. O sucesso do empreendimento de Hermes Walter ficou gravado na memória das gerações de jovens que frequentavam seu cinema entre as décadas de cinquenta e sessenta. Seu Hermes recebe ainda nos dias de hoje, o carinho e a gratidão de seu antigo público das matinés, mesmo quando em visita a outras cidades:

 

Um dia andando nas ruas de Montevideo, um senhor me pára e alegre

me chama pelo nome- Don Hermes! - fiquei espantado, pois nunca

tinha visto o sujeito. Ele notou e disse: Graças ao senhor eu pude ver

filmes na minha infância. Eu ia de férias para Rivera, na casa da abuelita, e frequentava o seu cinema.

 

O Cinema Hermes arrebatava um público misturado, entre uruguaios e brasileiros, procedente da periferia e até da zona rural. Observando suas fotografias, cartas, jornais e documentos, a maioria amarelada pelo tempo, verifico que elas contam muito da história do lazer na fronteira e da difícil tarefa de promover um espaço alternativo popular para a comunidade de baixa renda.

O cinema era um divertimento relativamente barato, mas nem por isso deixava de gerar uma lucrativa bilheteria, mesmo sendo a maioria do seu público de baixo poder aquisitivo. No entanto, Seu Hermes mantinha-se idealista cobrando o valor dos ingressos conforme a disposição econômica do freguês. Quando o Cinema Hermes fechou suas portas, seu idealizador encontrava-se amargurado com o término de um projeto de vida.

Com a impossibilidade de garantir filmes inéditos e em boa qualidade (bitola 35mm), preterido em detrimento dos cinemas maiores, e diante da inação das autoridades competentes, o cinema realiza sua última sessão em meados de 1973, deixando seu concorrido público desolado. Infelizmente, o projeto de Hermes Walter, que mantinha um profundo significado social para a comunidade santanense, acaba-se. O boicote das distribuidoras, reforçado pela ameaça que sua sala promovia aos concorrentes, fez com que a região perdesse esse espaço genuinamente popular, que concentrava jovens de todas as matizes sociais.

Muito embora o projeto audacioso de um cinema popular, idealizado por Hermes Walter não tenha conseguido enraizar-se, a consolidação e efervescência dos cinemas como centros do lazer na fronteira estende-se até meados dos anos setenta. Nessa década, intensifica-se a emergência de novas linguagens nos meios de comunicação. A televisão surge como a nova rainha dos lares brasileiros e fronteiriços. Dessa maneira, terminaram os domingos de matinés e de sessões de filmes continuados, os quais levavam o noticiário da semana no Brasil e no mundo para a comunidade da fronteira. Aos poucos, outras formas do lazer foram sendo substituídas pela televisão, segregando com isso muitos aspectos da vida social aos espaços reclusos do lar. O brilhantismo das comédias, das chanchadas brasileiras, dos dramas mexicanos, dos musicais e bang bang americanos cedem seu lugar aos folhetins eletrônicos transmitidos pela televisão. Esses se mostram concorrentes mais baratos e mais modernos do que a temática dos filmes exibidos nas salas de exibição do cinema. A televisão constitui-se então como um tipo de altar doméstico, no centro da sala das famílias, como um dos poderosos ícones contemporâneos das últimas décadas do século passado.

O que importa, no entanto é o fato que Humberto Bisso e Hermes Walter vivenciaram em sua juventude o fervor cultural de décadas significativas para o cinema, a música, o esporte, e todas as formas de cultura surgidas no glamuroso século passado.  Inesquecível e inigualável para esses personagens que, como se investigando as ruínas de uma outra cidade, trouxeram a luz com suas lembranças, as pistas de uma outra Santana e Rivera.

 

O Mago da Vila Júlio de Castilhos

Por José Ronaldo Vieiga Alves

 

O ano é 1929. Um menino está postado em frente ao cartaz do filme que o Cinema Internacional irá exibir dali a alguns instantes. O menino, de origem humilde, chama-se Hermes Walter. No momento, não tem o dinheiro necessário para a aquisição do ingresso, então se atém resignado a imaginar o filme. É bem possível que nesse dia tenha nascido o sonho que dali para frente vai persegui-lo: ter o seu próprio cinema.
Hermes é fascinado pela Sétima Arte, um cinéfilo no sentido exato da palavra, e quer muito dividir essa sua paixão. Acalenta o seu sonho por anos a fio, e a idéia toma corpo. Quer levar o cinema às camadas mais pobres da população, quer colocar preços populares, quer ver as pessoas sonharem.
O tempo passa. Na década de 50, adquire o projetor com o qual dará início às primeiras sessões. Tudo inteiramente ao ar livre, e de forma gratuita.
Meses após, constrói um galpão, e com a devida licença da Prefeitura Municipal oficializa a sua “fábrica de sonhos”. Mais alguns anos irão se passar até que finalmente inaugure seu cinema num prédio recém construído, agora sim, com todas as características de um cinema de verdade.
Por mais de 20 anos, o “cineminha do Seu Hermes”, fará a alegria da garotada e também dos adultos. Quem da platéia não guarda com carinho na memória aquelas tardes de domingo?

O cinema resiste até 1975. Nessa época a maioria dos cinemas atravessa uma séria crise, e um a um, começam a fechar as porta.
Na lembrança das várias gerações que conviveram com a figura carismática do “Seu Hermes”, que vibraram com ele ao assistirem aos filmes que lá passaram, existe uma gratidão eterna. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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